Sentada num café com uma amiga, perto da minha escola secundária. Olho através da janela e sinto-me em casa. Comemos um croissant de ovo, quente e fofo, por 1 euro. Preços e simpatia de bairro. Arranjam-nos uma mesa à pressão e falam connosco como se vivêssemos ali ao lado, acolhedoramente.
A providência de Deus às vezes é sentida de forma mais especial. Está sempre lá, Ele age de forma constante na nossa vida, no mundo, mas há ocasiões em que o sentimos de uma forma inabalável, nos detalhes incríveis que vivemos e as palavras são tão pequeninas para o explicar.
Regresso ao bairro que amo, onde nasci e cresci, devido a um projeto bonito. Volto à minha escola primária, quando nada o fazia prever. Afinal de contas não sou professora, nem psicóloga, assistente social ou auxiliar. Ainda assim, 20 anos depois, Deus leva-me de volta ao bairro que deixei, num projeto pioneiro no nosso país. E, 30 anos mais tarde, retorno à minha escola primária.
As emoções forma várias e confesso que foi com algum esforço que não chorei. Ah, mas os sorrisos não puderam ser evitados. As árvores estão gigantes. Há uma, nas traseiras da escola, que chega agora à janela do meu antigo quarto. À entrada do portão tive a primeira memória. Uma que estava guardada em alguma gaveta do meu cérebro e que acendeu apenas na hora, ao revivê-la. Uma poça de água no chão de cimento, no mesmo local. Deverá acontecer devido a uma inclinação do chão, percebi eu agora. Lá estava ela, exatamente no mesmo local. E, tal como em criança, desviei-me dela para entrar. Desta vez entrei sem qualquer ansiedade, ao contrário do tempo em que era pequena e havia tanto que me assustava. A entrada já não me pareceu tão grande e o ginásio, onde fazíamos as festas de final de ano e para onde todas as turmas iam nos dias de chuva [era a confusão no seu estado máximo] já não é gigantesco, mas sim pequeno. Os espaços têm uma dimensão tão diferentes quando crescemos. Os corredores ficaram mais estreitos, aos meus olhos. Mantém-se o cheiro. A escola cheira igual! Os bancos de cimento nos corredores continuam lá, com um ar mais desgastado. A sala dos professores também me parece ter encolhido. Entrar no mesmo local tantos anos depois foi um misto de sensações. Olhar o recreio do interior, como adulta, como mãe. Reconhecer algumas caras nas auxiliares, provavelmente pessoas do bairro, ainda não me atrevi a perguntar. Sorrir a uma menina que ficou à janela a dizer-me adeus incessantemente, enquanto conversava com a professora. Ver nessa menina tantas colegas minhas e um mundo de crianças a precisar de atenção. Ouvir atentamente acerca das necessidades dos alunos e perceber tão bem. Recordar as gentes que conheci, os colegas, os vizinhos e perceber os desafios, as lutas, as dores. Sentir alguns na pele. Chorar pelo bairro que amo e entender que só mesmo a graça de Deus poupa e sustenta cada um. Aquela graça que dá a todas, generosamente e livra de tanto. Sem ela, só haveria escuridão ali.
Que Ele me ajude a levar o que é necessário.
Já dentro do carro, pronta para ir embora, uma imagem recorrente. Um vizinha, na minha primeira casa, colada à escola, a estender a roupa. O cabelo, esse era outro. Todo branco. Os movimentos a colocar as molas, mais lentos. O olhar menos curioso na rua, mais atento na roupa que tinha em mãos. Vou embora. Levo o cheiro do meu bairro comigo.
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