quinta-feira, 12 de novembro de 2015

a casa que já não é minha.

 
Cresci no último andar de um prédio, com vista para o Tejo. De manhã o sol nascia sobre o rio e nas noites luminosas era ver a lua estendida sobre a água. Isto e a chuva forte em dias de tempestade, tudo admirado da janela da cozinha, sempre como se fosse a primeira vez.
Regressar ao bairro, às ruas onde me movi até aos meus 18 anos tem um sabor misto de alegria, tristeza, estranheza, familiaridade e gratidão. É andar ao ritmo das lembranças que surgem a cada passo, ao passar por cada rua, paragem, estabelecimento e recanto. O ambiente, os cheiros, a cor do bairro nos dias de sol e nos dias cinzentos que acompanhavam tantas vezes o meu estado de alma em adolescente e abraçavam em criança. As árvores estão enormes.


 
A praceta, mais pacata que outrora, mais quieta. Mas, se fechar os olhos, ainda vejo o vizinho Fernando à porta do prédio na sua cadeira de rodas, informando quem estava em casa e quem já havia saído. A cadela Lassie a ladrar e a correr para nós e o dia em que deixou de o fazer. Uma certa vizinha do r/c a espreitar sorrateiramente e as nossas vozes despreocupadas, a correr e a brincar. Uma mãe de uma amigo que nos mantinha hidratados, dando copos de água pela janela. Vejo uma amiga a chegar e a acenar com um jornal desportivo ou uma revista de música na mão. Um grupo a jogar às escondidas à noite, a mangueira a dar banhos no Verão, os vizinhos a plantarem juntos as árvores e flores, a fazerem os canteiros. Bicicletas a descer a praceta e alguém a acabar no chão. Fintas aprendidas com uma bola de futebol, trabalhos da escola a serem feitos em conjunto, duas meninas a observarem uma trovoada abrigadas e tanto, tanto mais.
Em miúda, sonhava com o dia em que desceria a praceta vestida de noiva. Deus quis fazer as coisas de um modo diferente.


Desci e subi esta rua vezes sem conta. Nela aprendi a andar de bicicleta, fiz corridas com o meu pai, apanhei borboletas com a minha avó Guida, fui ter com a minha mãe ao lar a imaginar histórias na cabeça, joguei à sirumba com riscos feitos no chão e à bola até cair para o lado. No tempo em que as balizas eram feitas com duas pedras, os carros raramente passavam e os prédios do lado esquerdo não existiam e o rio estava sempre no nosso horizonte, como um presente constante. Talvez por isso fez-me tanta falta ver o rio quando saí dali.




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