Passei uma tarde com os meus pais. Foi uma tarde de histórias de outros tempos, dos dias em que moravam com o meu mano no Luxemburgo e Inglaterra, voltando mais atrás, onde tudo começou, na Farinha Branca. Algumas delas eu já oiço desde miúda, mas é sempre como se as estivesse a ouvir pela primeira vez e o entusiasmo e brilho nos olhos que eles têm ao contá-las tem sempre a mesma intensidade.
O dia em que o meu pai chegou de comboio ao Luxemburgo e viu neve pela primeira vez, o momento em que a vizinha informou que era necessário limpar a neve do passeio à frente da casa, a roupa que a minha mãe estendeu em Outubro na rua e acordou com ar de bacalhau seco [percebeu então que a roupa lá só era colocada na rua no Verão] e as palavras que os emigrantes inventavam entre eles, como: granier [sótão], pubela [balde do lixo], vacanças [férias], briquetches ["carvão"] ou caixa da maladia [baixa médica].
A minha mãe teve um patrão que insistia em mostrar-lhe pinturas de quadros que a deixavam corada. Era a natureza, dizia ele. [despediu-se] Também teve outro, um velhote de 80 anos, que lhe pedia um beijo sempre que a via.
O meu mano levou sempre emoção ao dia a dia dos meus pais. Volta e meia ia brincar para casa de um amigo e esquecia-se de avisar, como certa vez em que foi para Alemanha, ali ao lado. Esta mania de "fugir" já vinha de longe, pois com 3 anos, na Farinha Branca, onde se vivia de porta aberta, tinha o hábito de escapar enquanto a minha mãe costurava. Quando ela dava por isso, lá tinha de lhe seguir o rasto na terra para o descobrir. Por norma ia ter a casa da prima Teles, que gostava muito de brincar com ele. Mas, a situação tornou-se mais enigmática, quando ao ver que o seu rasto era facilmente seguido, começou a caminhar pelas ervas. Gaiato esperto. Por Deus, escapou a poços e outras armadilhas. Devido a esta tendência de abalar sozinho, a minha mãe, com o meu pai na Guiné na altura, começou a assustá-lo com a polícia, dizendo que esta o podia levar. Parece que resultou, pois anos mais tarde, já no Luxemburgo, certa vez desceu a rua quase a rebolar com a bicicleta, após um carro da polícia ter passado por ele. Aterrou à porta de casa e estragou a campainha com a aflição.
Nessa altura os cereais e os iogurtes eram alimentos estranhos e, apesar da insistência do meu irmão, que dizia que era o que os colegas comiam ao pequeno-almoço, o meu pai teve receio e achou que aquilo não devia ser de fiar.
Em Inglaterra ficaram sem boleia para retornar à missão onde estudavam, após irem jantar a casa de uns amigos. Pediram à minha mãe e mano para darem um passo à frente e pedirem boleia, enquanto os restantes se escondiam. Regressaram à missão num jaguar, a velocidades alucinantes, dirigido por um hippy rico.
Ainda em terras britânicas, o meu mano e um amigo entraram num carro desconhecido para indicar onde era um determinado local. Regressaram a casa com a polícia.
Nessa altura, tinham uns vizinhos holandeses que andavam em casa como vieram ao mundo, totalmente nus. Quando a minha mãe descobriu, o meu mano deixou de ir a casa do colega, pois está claro.
Ah... e há episódios ainda mais emocionantes. Numa próxima vez....
Não tenho dúvidas. As aventuras dos meus pais davam um livro.
4 comentários:
Rute, gostei muito de ler sobre o tempo que passaram na Inglaterra. São tempos que não voltam mais. Agora, as suas aventuras são com os filhos. Possivelmente seus queridos e preciosos pais devem ter muitas aventuras para recordar. Vou esperar o próximo capítulo. Parabéns pelo post. Abs de Sara (Brasil)
Um beijinho grande, querida Sara.
que boas que são essas viagens ao passado :)
são mesmo, sis.
*
Enviar um comentário