sexta-feira, 9 de maio de 2014

abrandar


A questão de abrandar tem sido uma batalha para mim ao longo dos anos. Aqueles que me conhecem há mais tempo sabem da dificuldade que tinha em estar parada ou em estar sem fazer algo. Olhando atrás, consigo ver bastantes mudanças nesse campo e agradeço por elas. Tenho porém muito a trabalhar ainda. Talvez consiga hoje gerir um pouco melhor prioridades e perceber que não posso [nem devo] estar nem socorrer a tudo e a todos, o que ainda me vai custando, volta e meia. Também sei que os momentos de pausa são essenciais para melhor ouvir a Deus e os outros.
A área que sinto precisar de continuar a limar é mesmo no meu dia a dia, nas coisas simples. Desejo ser uma esposa e mãe mais paciente, que não é escrava do relógio, mesmo que este seja necessário na nossa rotina. Quero saber parar mais, ouvir e saborear ainda melhor. E é normalmente nas manhãs e nos finais da tarde que a pressão aumenta, com tanto para fazer em pouco tempo. Refeições, banhos, trabalhos de casa, leituras, treinos de futebol, culto doméstico, preparação do dia seguinte... e o relógio sempre a girar, impiedoso. Entretanto, há um menino que chega com um livro na mão e não é para treinar a leitura, quer apenas ouvir uma história. Agora?!? Tem mesmo de ser agora?
O mesmo menino continua a soprar bolas de sabão, entre as mãos, nos dias em que o duche quer-se rápido.
Há sempre um filho que se demora em frente ao espelho a colocar gel no cabelo, ao contrário do que seria de esperar, é o mais novo, de 6 anos. Há outro que procura a braçadeira de capitão, não para ir para o treino, é mesmo para levar no pulso para a escola, porque fica bem, aos olhos dele, com manga curta. Há uns all star que demoram a atar até ficarem bem apertadinhos. Os cereais querem-se desfrutados bem, bem devagar. Uma colherada, 3 piadas e assim sucessivamente, podendo o número de piadas ir aumentado entre cada colher que chega à boca. Entre uma piada e outra, uma camisola lavada e já vestida vai direita para o balde da roupa suja. "Agora não é hora de rir, é de comer!" Eu disse mesmo isto?! A leitura do salmo é feita num ritmo mais vivo e a resposta a algumas perguntas é adiada para o culto da noite. Alguém faz questão que as suas mãos, após lavadas, sejam cheiradas por uma mãe que, impaciente, olha mais uma vez para o relógio e pergunta-se como é possível o tempo não ter esticado?! "Cheiram bem, não cheiram, mamã?" E num piscar de olhos, desata os ténis já atados com precisão, só para atá-los mais uma vez. Sério? Respiro fundo.
Após corridas dentro de casa com o ataque dos monstros das pastas de dentes, a porta da rua abre-se e saímos. "Entrou uma varejeira em casa!", grita um.  "Não faz mal, depois procuro-a." "Era uma melga!", opina outro. "Não era nada, era uma varejeira!", garante o primeiro. Entre dúvidas importantes, avançamos. Tudo a postos. Ah... mas há uma bola à espera de meia dúzia de pontapés, outra vez. Seria de esperar que após sairmos o portão,  o caminho até à escola fosse rápido, mas é impossível passar pelos caracóis, formigas, ovelhas, patos, galinhas e até por um peru, sem parar. Então, de repente, "Onde é que está a tua mochila?" "Ops! Acho que ficou lá em casa." Voltamos os quatro para trás a passos largos. O toque da entrada ouve-se e o passo passa a corrida. Alguns minutos depois, entramos no portão da escola e suspiro aliviada. Todos inteiros. Os miúdos riem. "Foi tão giro, mamã!", exclama um deles. Giro? Relembro o louco rodopio desde o acordar até aquele momento e suspiro mais uma vez. Giro?
Ao final da tarde a cena repete-se e parece ser ainda mais caótica com os afazeres a multiplicarem-se até à noite, onde então, o silêncio instala-se. E é entre o embalo da respiração de três pequenos e a visão de uma cozinha desnorteada que relembro...

O encosto de uma cabeça na minha barriga, pedindo um carinho, só porque sim.
Uma gargalhada sentida.
Uma pergunta interessada.
Um texto lido pela terceira vez e um sorriso satisfeito no final.
Um problema de matemática resolvido com vontade.
Uma corrida atrás de uma bola, um remate e um olhar vitorioso.
Mãos pequenas que tiram uma bolacha do pote.
Mãos maiores que sentem o galo que a colega fez na cabeça.
Uma voz que canta e canta e outra que pede, por favor, para que não cante mais.
Uma corrida longa com outros meninos, antes de sair da escola.
Uns pezinhos a saltar nas pedras da horta.
O 210830378434192º desenho de monstros recebido.
Três meninos a atropelarem-se com palavras, desejosos de contar como correu a manhã na escola.
Um menino a saltar em cima de um baú, imaginado que é o homem aranha.
Uma banheira que se transforma num mar revoltoso com barcos a afundarem.
Uma voz que agradece o dia e o facto de estarmos juntos à volta da mesa.
Um mano mais velho que faz pulseiras para os mais novos.
Narizes pequenos a roçarem o meu.
Uma luz que se apaga.
E uma vozinha feliz a dizer "Foi tão giro, mamã!"

Foi, sim. Foi incrivelmente giro.
E à mente vêm as palavras de Isaías, "... no sossego e na confiança está a vossa força..."

3 comentários:

Filipa disse...

Obrigada por este texto!
<3

sara f disse...

<3 gosto disto...

sara f disse...

<3 gosto disto...